Nostalgia

Eles se orgulham de seus vernizes impecáveis que refletem os raios do sol. Os Fuscas em verde aveludado irradiam uma aura de tempos passados, aqueles em vermelho chianti e titânio chamam a atenção, aqueles em cinza claro e branco pérola sinalizam uma elegância discreta, enquanto aqueles em cor netuno e azul-pomba querem alardear sua capacidade intelectual profunda.



O grande número de Volkswagens faz-me parar. Observo-os. Eles me enchem de admiração e nostalgia quando cruzam as ruas e descansam em seus estacionamentos ou quando estão na garagem subterrânea. É como se fossem guardados para ser um presente num aniversário que se aproxima, ou para a festa de Natal seguinte.

Também, os Volkswagen Kombi passam na minha frente. Eles me lembram da época em que os meus sonhos criavam carros-acampamento com uma quitinete, alguns catres de camping, cômodas sobre as cavas das rodas e um tampo de mesa que era possível rebaixar do teto acolchoado. As ideias também incluíam cortinas pull-out em tecido grosso de algodão, e nelas, as rosas bordadas floresciam. A casa sobre rodas me levaria a toda a terra, e para as partes do mundo que eu só tinha visto no atlas de mapas coloridos. Este equipamento permanecia uma fantasia ...



A realidade na Suécia era outra. O Fusca da família, modelo 1958, com janela traseira bipartida, era equipado com um rack de teto. Nele, ficava o saco com a barraca militar e o pátio de entrada dela, os sacos de dormir preenchidos com material pesado, uma mesa dobrável, do interior da qual saíam bancos de acampamento de canos de ferro azul marinho com um pedaço de lona laranja como assento. Quando tudo estava arrumado e pronto, a família sentava-se dentro do carro. O mundo seria descoberto! Um dos destinos era a Höga Kusten (Costa Alta), no norte da Suécia. Nas regiões baixas de uma usina hidrelétrica podíamos ver suas turbinas giratórias. O poder trovejante da Silverfallet (Cachoeira de Prata) era impressionante. A estrada mais alta da Suécia para Noruega, Flatruet, nos levou ao Gudbrandsdalen - "O rei dos Vales da Noruega". Lá, comemos o queijo doce, Brunost (queijo castanho), feito em soro de cabra, lá corremos montanha abaixo e nos jogamos no rio caudaloso, lá nós nos perdemos nas florestas profundas. Em outros verões, a gordura dos pastéis dinamarqueses escorria de nossas bocas, as vespas mal-intencionada arriscavam as suas vidas e a areia nas praias no Norte da Dinamarca acariciavam os nossos pés. Durante essas semanas, o pequeno mundo era substituído por um maior.



Enquanto escrevo isso, já acabei de ler notícias sobre o Lucas, ator, rapper e ativista, que diz ter sido possuído por forças do mal e, portanto, começou uma briga durante a gravação do Big Brother no Brasil. Conversei com um estilista do Sri Lanka sobre os tipos diferentes de chá, verifiquei a disseminação do coronavírus no mundo inteiro e como a vacinação (não) avança nos países do globo. Verifiquei a temperatura das águas da Patagônia para ver se seria possível nadar nelas, tomei nota do que alguns amigos desfrutaram no jantar ontem, assisti uma aula gratuita de gramática inglesa e me preocupei com a situação de uma família lisboeta. Essas interações foram seguidas de uma instrução sobre como reparar um tiro no vidro segundo o método "faça você mesmo" e, talvez o mais interessante, li um artigo brasileiro - escrito a partir da perspectiva de gênero - sobre o truque de mágica, da mulher cortada em dois, que comemora 100 anos. A lista pode ser complementada pelas notícias gerais e principais sobre as condições econômicas no mundo, as oportunidades e limitações no comércio mundial e os riscos contra a democracia impostos pelos governantes autoritários.



Como os tentáculos de um polvo, equipados com ventosas, tenho o mundo nas minhas mãos, os prazeres e as preocupações dele. O pequeno mundo torna-se grande. Ou talvez o grande se torne menor quando a comunidade local se globaliza. A minha interação com lugares de toda a terra faz com que a onda que inunda a sociedade do conhecimento e da informação se coloque no meu mundo, nos meus pensamentos. Impressionado e apavorado, lisonjeado e controlado, às vezes tenho desejo de voltar à época em que existia uma vida ativa na comunidade local.



Então, na sombra do fluxo de notícias globais e das impressões culturais, agora, vou às ruas na comunidade local para fazer mais viagens nostálgicas na forma de Fuscas e carros de acampamento.