Se eu fosse um papagaio livre
Se eu fosse um papagaio livre, a vida, sem dúvida, seria diferente. Antes de deixar a minha gaiola, poria a mesa com repolho e espinafre; batatas doces e cenouras; tofu e ovos cozidos; atum e peru; e, como sobremesa, nozes e frutas. Eu sairia da gaiola sem fome, estaria pronto para descobrir o mundo inteiro. As minhas asas me levariam para onde os ventos quisessem e para onde a minha alma ficasse unida com o meu corpo. A alma, o poder dentro mim, que não é uma energia física nem pode ser vista. É um fato que eu, só eu, crio a alma. Penso um pouco mais e concluo que pode ser que o destino a forme. Mas, fica mais complicado quando me lembro do título de um poema de Fernando Pessoa: "Não sei quantas almas tenho". Permita-me dizer que minha revelação física, como papagaio, com a auréola no topo da cabeça, o bico, a plumagem no peito, as pernas e as asas são como se fossem uma casca. Dentro dessa casca está a minha alma, uma pilha que dá vida ao meu corpo.
Abriria desajeitado a porta da gaiola, empurraria-me para fora dela e pentaria o meu vestido. Esticaria as minhas asas - que estão rígidas depois anos com a grade ao meu redor. Decolaria.
No momento eu estaria livre, poderia escutar, observar e pensar, mas também analisar e agir como os outros cidadãos. E se eu soubesse as aventuras pelas quais eu passaria, e as contasse nas minhas histórias, ninguém acreditaria.
Pense! Voar alto, como um helicóptero, no mesmo caminho que as andorinhas, as gaivotas, os pardais e todos os outros que têm a habilidade de estar no ar daria uma perspectiva diferente do que ficar na terra. Alguns pássaros voam sozinhos, outros em formações como triângulos , e nós também veríamos os que querem manter a segurança do grupo. Eles não têm GPS ou bússola nem uma torre de controle que os dirija. Talvez tenham um compasso natural e genético, com uma agulha magnética que mostra a direção. É como se os voadores gorjeassem que é mais importante navegar do que viver. De qualquer forma a audição, o olfato, o paladar, o tato e a visão estão, naquele momento, prontos para admirar, processar e analisar o que acontece lá em baixo.
No ar livre, eu observaria os arranha-céus brancos e os barracos nas colinas; os shopping centers e os estádios; as plantas e os parques. Seria como se eles todos fossem conectados uns aos outros por ruas, rodovias e trilhos. É um sistema, e eu sei bem como ele funciona. Quando uma mudança ocorre num elemento do sistema, também as outras partes são afetadas. Observaria as relações entres os distritos, os muros invisíveis entre os bairros e as quadras, os movimentos dos cidadãos e como eles se comunicam, ou não. Isso é a vida de uma cidade. Com certeza, é a alma.