Um minuto de 180 segundos

A Dianina inclinava-se na esquina da cerca de ferro fundido, laqueado de verde. Ela se apoiava na sua perna esquerda e depois de alguns minutos mudou o seu peso para a perna direita. Constatou que já tinham passado 30 minutos e que o Danilo ainda não tinha aparecido, embora já fossem sete e trinta. O atraso do Danilo, de meia hora, ela usara para examinar a cerca um pouco mais em detalhe. Parecia ter dois metros e meio de altura. Cada ripa terminava com uma lança apontando para o céu. Entre elas, no topo, havia uma cerca elétrica. O lado de fora era equipado com proteção antiescalada. Os ladrilhos no chão, dentro da cerca, refletiam os últimos raios de luz do dia e a parede branca e rebocada não apresentava sinais de vegetação. Duas urnas de mármore com hibiscos extravagantes abraçavam a entrada de hóspedes.

Durante a espera, Dianina começou a fantasiar sobre a vida na casa cercada. Imaginava uma mãe que passava os dias a fazer as compras e a dar ordens à faxineira, à ajudante de jardinagem e à mulher que preparava o almoço para a família. O homem da casa provavelmente saía às dez horas todos os dias. Em seguida, ia para uma das repartições públicas da cidade. Lá, com certeza, ele não tinha nenhuma tarefa especial, embora o título dissesse o contrário. Poderíamos dizer que estar presente e receber o salário no fim do mês era o seu trabalho. O senhor não sabia sobre os conceitos de produtividade nem de eficiência, a Dinania afirmou. Talvez, eles tivessem optado por não se casar para que a esposa pudesse continuar a receber a pensão do pai militar. Claro, Dianina disse a si mesma, também tinham três filhos bem comportados. Por que outro motivo a senhora precisaria de tanta ajuda em casa? Era a própria esposa que diariamente os colocava em seu carro híbrido para levá-los à escola particular e, assim, evitar o risco de que as crianças fossem sequestradas ou, possivelmente, terem os seus celulares roubados. Dianina suspirou:

- A classe social, e talvez o destino, caem de forma diferente sobre os que crescem e vivem neste país. Alguns podem construir propriedades semelhantes a uma fortaleza, enquanto o resto de nós nos esprememos num kitnet com uma cozinha compacta ou somos forçados a continuar vivendo com nossos pais.

Enquanto pensava nisso, ela olhou para o chão e viu os seus tênis sujos. Levantou um pé, examinou a sola e constatou que era hora de comprar novos.

- Agora o Danilo já deve está chegando, senão caguei pra encontrar ele hoje, Dianina disse com voz baixa.

Os pensamentos correram da vida na casa com a cerca de ferro verde para a compra do tênis e pousaram no relógio do Danilo e na sua percepção do tempo. Não era a primeira vez que ela se inclinava nessa cerca. Quando falaram esta tarde, ele havia dito:

- Vejo você daqui há pouco.

No momento seguinte, Dianina pensou que "daqui há pouco" significa uns vinte, trinta minutos, e então seriam sete horas. Pontual como sempre, às sete horas, ela estava na esquina.

Ela olhou fixamente para a coruja que estava sentada num ramo de uma figueira próxima. A Dianina perguntou à ave sábia se o número de segundos em um minuto poderia variar de uma pessoa para outra. A própria moça sabia: um minuto era igual a 60 segundos, mas talvez o minuto de Danilo tivesse 180 segundos, ou mais. Nesse caso, vinte minutos seriam uma hora, trinta minutos seriam uma hora e meia. E, calculou rapidamente, que uma hora teria 16.200 segundos. Se fosse o caso, demoraria ainda mais para ele chegar.

- Todo o mundo gostaria de ter tanto tempo, a Dianina exclamou para a coruja na árvore.

A moça virou a sua cabeça para o chão de ladrilhos do outro lado da cerca. O olhar seguiu um lagarto que atravessou a superfície.

- Se eu tivesse tanto tempo extra, usaria para fazer um trabalho ainda melhor, mais horas com qualidade. Uma coisa que o empregador aprovaria e aplaudiria. Ou sairia de casa para tomar um drinque e me divertir com bons amigos. Do balcão, eu veria os olhos do dono brilharem com cifrões de dólares enquanto seus bolsos se enchem de dinheiro. Poderia também aproveitar uma segunda xícara de café pela manhã com o tempo extra. Claro, gostaria também de aprender mais sobre alguns assuntos. Seria tentador saber mais sobre astrologia, ou mesmo meteorologia, como meu ex-namorado havia feito.



Para passar o tempo, Dianina lembrou-se do que o ex contara-lhe na última vez que eles se viram:

"Quando era criança, passava horas no molhe que protegia o porto da aldeia das ondas poderosas. Do meu banquinho de madeira de três pernas, no cais, olhava para o mar, sentia a força dos ventos, estimava a altura das ondas e definia as formações de nuvens. Também fazia as minhas próprias previsões do tempo para os dias que viriam. No bolso da minha jaqueta, de lona azul marinho, estavam, além de um bloco de notas xadrez, um lápis, um transferidor e uma calculadora. Naquela época, não havia boias com sensores ou drones que mediam a altura das ondas. Por isso, fui valente e peguei duas réguas de madeira na escola. Com elas, estimava a altura das ondas medindo a diferença de altura entre um pico de uma onda que se aproximava e o vale de onda subsequente. Alguns transeuntes sorriam ao ver minha ferramenta simples de medição, outros entendiam como ela funcionava e, às vezes, alguns que passavam diziam algumas palavras de incentivo. Nos dias em que o mar estava calmo, devorava o texto do meu livro de meteorologia "Os poderes do tempo". Nele, conseguia encontrar o nome certo para os tufos brancos do céu e os caroços ameaçadores. Fantasiava comigo mesmo sobre como as várias nuvens cirros mostravam seu humor alegre e como elas podiam rapidamente transformar-se em raiva. As nuvens cúmulos tornavam-se bolas de algodão inofensivas, as nuvens estratos-cúmulos sinalizavam depressão e tédio. Certamente muitas pessoas perguntavam-se o porquê da minha admiração pelas forças do tempo e pela ciência da meteorologia. Lembro-me de que quando apaguei as dez velas do meu bolo de aniversário, disse à família: ´Quando eu crescer, vou ser meteorologista´."



Como não se viam há alguns anos, Dianina questionou, à mesa no café, se ele tinha trabalhado como meteorologista. Ele continuou:

"Os anos se passaram e a minha carreira profissional seguiu um caminho completamente diferente (ele sorriu e buscou uma resposta). Eu me tornei um "Astrólogo viajante". No início da minha carreira, meu carro, com um trailer, me levou por feiras diferentes no país inteiro. Muitas vezes, senti como se estivesse pilotando um avião. Armava meu toldo em frente do trailer e pendurava placas com grandes letras em vermelho: "Saiba sobre o seu futuro", "Veja suas habilidades!" e "Bem-vindo ao Centro Espírita". Por alguma razão, espalhou-se um boato de que eu era bom em prever o futuro das pessoas, e de que também podia consertar corações partidos com base na área difusa da astrologia... (procurou um fim para frase). As viagens tornaram-se cada vez mais longas. Fui ficando entediado de ouvir somente sobre problemas. Decidi criar um site. A partir dele, diziam que eu era um astrólogo profissional, embora eu não concordasse com isso. Depois de um ano, recebi meu primeiro convite para discursar numa convenção na América do Sul. No meu site, os clientes podiam inscrever-se para receber conselhos e análises sobre suas vidas e seus futuros. A lista de assinantes que pagavam mensalidade cresceu rapidamente. O que eles recebiam, com uma assinatura, era acesso a 10 minutos de aconselhamento astrológico pessoal por mês, além de algumas palestras gravadas ocasionalmente. Para ser sincero, foi um alívio deixar as feiras, evitar ver mulheres chorando na minha frente e ver homens que tremiam de raiva porque não confirmei a sua masculinidade."



O ex continuou:

"Na verdade, nunca me interessei particularmente por astrologia e adivinhação. No entanto, o interesse pelos fenômenos meteorológicos esteve sempre dentro de mim. O que seria mais interessante do que pensar na direção de um furacão no sul dos Estados Unidos? Sobre a altura das ondas ao longo da costa de Cabo Verde? Ou sobre as ondas de frio que se aproximam de Svalbard, na Noruega? Infelizmente, o interesse certamente permanece, mas a profissão de meteorologista terá que esperar até a minha próxima encarnação. Ao mesmo tempo, percebo que há um problema: não acredito na vida após a morte."



Dianina, esperando do lado de fora da cerca, ainda digeria o que o seu ex lhe contara e viu que a história de sua vida também dizia respeito ao tempo. Consultou o relógio e suspirou profundamente:

- Será que o Danilo não quer mais me encontrar?

No mesmo momento, o som gorgolejante de João-de-Barro foi ouvido. Dianina o interpretou como um consolo e saudação para ela. Com seu corpo leve, a ave saltou cerca de dez passos, parou, virou a cabeça como se fosse cumprimentá-la, gargarejou atraentemente para Dianina e continuou a dar mais dez passos. O João-de-Barro, ou o "pedreiro", como a espécie às vezes é chamada, começou a bicar a terra fraca, vermelha e argilosa, moldando-a como uma bola pequena, e a agarrou com o bico. As asas leves levaram o pássaro para onde dois ramos se encontravam e formavam um "v" na árvore. Lá, Joaninha-de-Barro estava sentada na fundação, recém-lançada, para o ninho. Dianina sabia que eles tinham um longo trabalho pela frente, e que teriam que ser pacientes sobre a construção do seu ninho. O que João-de-Barro e Joaninha-de-Barro sabiam (talvez não conscientemente) era que o ninho seria construído como um forno de barro e que a entrada seria virada para o lado de onde o vento e a chuva normalmente não vinham. Além disso, seus instintos instruíam-lhes de que a abertura deve ter uma parede para proteger-lhes dos inimigos. A natureza contém muita sabedoria, pensou Dianina, talvez ainda mais do que o humano possui hoje.

Dizem que João-de-Barro tem uma alma gentil. Anos atrás, Deus criou o pássaro em memória de um carpinteiro que se chamava João. Esse artesão construía casas sem cobrar os custos pelo trabalho. As casas eram planejadas inteligentemente, disse Deus, porque o nascer do sol sempre podia ser visto delas. Quando João morreu, toda a aldeia chorou e Deus criou esse pássaro pequeno para homenagear o carpinteiro.



Mais uma vez, pensamentos surgiram, na cabeça da Dianina, sobre a situação no mundo em relação à natureza. Há um grupo que cada dia cresce mais. Essa turma tende a acreditar em fatos e políticos que são falsos e populistas. Nas redes confiáveis (a Dianina as acompanhava todos os dias), ela constatava que alguns políticos e líderes de opinião negavam com ênfase o desastre ambiental que se aproximava globalmente. Eles viam o vírus fatal como parte da ideia de seleção natural de Darwin e tornavam-se mais autoritários (e talvez tolos), desmantelando a democracia de seus países. Dianina perguntou à coruja na árvore:

- Como as pessoas podem abrir mão do poder sobre suas vidas e seguir o vento da opinião que sopra em vez de pensar por si mesmas? Como podem ser levadas pelos ventos de opiniões que nada têm a ver com meteorologia?

Dianina chegou a uma conclusão usando as palavras do ex: quero chamar isso de baixa-pressão. Sem dúvida, seria melhor se o humano construísse uma parede na sua mente que evitasse os ventos falsos e ameaçadores da opinião alheia, assim como o João de Barro constrói uma parede para proteger o seu ninho.



Quando eram quase oito horas, a paciência da Dianina começou a diminuir. Mas, por falar em tempo, ela se lembrou do prefeito da cidade de sua infância. Todo o mundo achava que ele era uma pessoa engraçada. Era reconhecido por seu bonjour, sua cartola e seu monóculo, cujo elo fino deitava na maçã do rosto saliente e não se deixava perturbar pela velocidade do vento. A bengala de carvalho oscilava ritmicamente com os sapatos de couro que batiam na pedra do pavimento. Todos na cidade sabiam que ele dobrava a primeira esquina com a Livraria às 07h49, passava pela Pharmácia às 07h52, pela Padaria às 07h55 e, exatamente às 08h00, o chefe da cidade agarrava a maçaneta de seu escritório. Dianina decidiu: o prefeito pertencia àqueles que percebiam que há 60 segundos em um minuto.



Na cerca verde de ferro fundido, a espera da Dianina havia sido longa. Sua raiva e impaciência quase explodiam. Naquele momento, ela notou como as pessoas percebem o tempo de forma diferentes. Havia até um sentimento de inveja na maneira como o Danilo se relacionava com minutos, horas e dias.

Os pesados sinos de bronze na torre da igreja, do outro lado da rua, bateram oito horas, e o homem que tem 180 segundos em um minuto apareceu. Com um sorriso charmoso, Danilo perguntou à Dianina se a sua espera tinha sido longa.



Inspiração enquanto eu esperava a fora uma cerca em Brasília, Brasil